Nelson Rodrigues
O que assombra na estagiária não é sua graça pessoal, mais discutível, menos discutível, segundo cada caso. O que me assombra são suas perguntas e repito: são as perguntas que tornam a estagiária um ser tão misterioso e absurdo como certas imagens de aquário. (...) Uma delas foi incumbida de entrevistar um milionário, disse: "Eu queria falar com o dr. Fulano". Do outro lado, uma voz responde: "Dr. Fulano não está passando bem". E a menina insiste: "Então, pergunta a ele se...". Desligam e a estagiária disca novamente, não com o dedo, mas com o lápis: "Eu queria falar com o dr. Fulano". A pessoa diz, desatinada: "Minha senhora, o dr. Fulano acaba de ter um enfarte. Enfarte, minha senhora, enfarte. A senhora quer que eu diga mais do que estou dizendo?". E a estagiária: "Vai lá e pergunta a ele o que é que ele acha da pílula. Eu espero".
A família do enfartado toda se descabelando... o que, aliás, é raro, porque, no nosso tempo, a família chora muito pouco. (...) A estagiária então liga novamente. Dá sinal de ocupado. Continuou, com uma obstinação fatalista. E sempre ocupado. Uma hora depois, atendem. Era uma mulher que ou estava gripada ou chorando. A estagiária diz: "Por obséquio, eu queria falar com o dr. Fulano". Responde a voz feminina: "O dr. Fulano acaba de falecer".
E a estagiária: "A senhora diz a ele que é só uma perguntinha..." e etc. Agora, há um dado que me parece essencial. As entrevistas das estagiárias têm uma virtude rara: nunca saem. Falo por experiência própria. Quase todos os dias, uma estagiária me caça pelo telefone. E eu falo sobre todos os temas e personalidades. Opinei sobre os Kennedy, João XXIII, o Kaiser, Gandhi. No dia seguinte, abro o jornal e vejo que não saiu uma linha. Mas uma coisas curiosa: não só as estagiárias. Profissionais da melhor qualidade estão seguindo a mesma linha.
Vamos lá pessoal. Sua opinião é muito importante. Tem Preguiça Não de comentar.