Irmãos Grimm–História do Rapaz que Decidiu Aprender o que era o Medo

Leonardo Fraga Teixeira
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Os contos dos irmãos Grimm foram recolhidos entre a população e escritos no final do século XIX, precisamente em 1812. Era uma outra época e, portanto, vemos profissões que já não são conhecidas em nossos dias, como o Cordoeiro, o homem que fabricava cordas, ou adro, que é a área externa das igrejas, que em geral era cercada, além da moeda de prata utilizada na Europa por quase quatrocentos anos, o taler. Seu nome em Alemão arcaico significa vale, então seria quanto algo tem de valor. Etimologicamente, acredita-se que tenha influenciado no surgimento da palavra dólar, por causa do tólarou dólar esloveno, já substituído pelo Euro. Embora com mais de 200 anos, estes contos surgiram na cultura alemã, mas alguns deles são conhecidos no mundo inteiro.

Certo pai tinha dois filhos. O mais velho era esperto e sensível, e podia fazer qualquer coisa, mas o mais jovem não conseguia aprender ou entender o que quer que fosse, e quando as pessoas o viam, falavam, “Este rapaz ainda vai trazer problemas para o pai!”. Quando algo precisava a ser feito, era sempre o mais velho que fazia, mas quando seu pai pedia para buscar algo e já era noite, ou precisava passar pelo adro da igreja ou por outro lugar sombrio, ele sempre respondia. “Oh, não, pai, eu não vou lá! Esse lugar me dá calafrios!”, porque sentia medo. Ou quando histórias eram contadas perto das fogueiras que as pessoas acendiam e ficavam ao seu redor para se aquecer e conversar, essas histórias que dão arrepiose que os ouvintes dizem, “Uh, isso nos faz tremer!”, o irmão mais jovem sentava em um canto com os outros, mas não podia imaginar o que isso significava. “Eles sempre dizem ‘isso me dá calafrios’! Isso não me dá calafrios’”, pensava ele. “Isso deve ser mais uma coisa que eu não sei fazer”.

O tempo passou e um dia o pai disse a ele, “Ouça, você já está bem crescido e forte, precisa aprender um meio de ganhar a vida. Olhe seu irmão mais velho, veja como ele trabalha e aprenda para ter algum ganho”. “Bom, pai”, respondeu o filho, “eu estou disposto a aprender alguma coisa, mas na verdade, se eu pudesse escolher, eu gostaria de aprender a ter medo, porque eu não entendo o que é isso”. O irmão mais velho riu quando ouviu aquilo, “Oh, Deus, como meu irmão é cabeça-dura! Ele nunca será bom em nada, enquanto viver! Quem quer ceifar a colheita precisa levantar cedo”. O pai suspirou e respondeu, “você aprenderá logo o que é o temor, mas não ganhará a vida com isso”.

Logo o sacristão veio fazer uma visita, e o pai contou-lhe o problema sobre como seu filho era atrasado em muitos aspectos, que o filho não sabia nada. “Pense”, disse o pai, “quando eu perguntei a ele como ia ganhar a vida, ele respondeu que o que queria, na verdade, era aprender a ter medo”. “Se é isso”, disse o sacristão, “ele pode aprender comigo. Envie o rapaz para mim e eu o ensinarei”. O pai ficou feliz em fazer isso.

Então o sacristão recebeu o rapaz em sua casa e o ensinou a tocar o sino da igreja. Depois de um dia ou dois, o sacristão o chamou à meia noite, e ordenou-lhe que fosse até a torre da igreja tocar o sino. “Você logo saberá o que é o temor”, pensou o sacristão, e secretamente foi até a igreja antes dele. Quando o rapaz chegou ao topo da torre e pegou a corda do sino, ele viu alguém de branco, de pé, em frente à abertura da torre. “Quem está aí”, gritou o rapaz, mas a figura não respondeu nem se moveu. “Responda ou tome seu rumo”, disse o garoto, “pois você não tem nada que estar aqui a essa hora”. Mas o sacristão continuou imóvel para o garoto pensar que era um fantasma. O garoto chamou mais uma vez, “O que você quer aqui? Fale ou vou empurrá-lo para fora a pontapés”. O sacristão pensou, “ele não é tão maldoso quanto suas palavras”, e ficou calado e imóvel como uma pedra. Então o garoto ainda chamou uma terceira vez, e como não teve resposta, correu contra o fantasma e o empurrou escada abaixo e o deixou caído em um canto. Depois disso, o garoto tocou o sino, voltou para casa, deitou em sua cama e dormiu.

A esposa do sacristão esperou por ele um longo tempo, mas o marido não voltou para casa. Então, preocupada, ela acordou o garoto e perguntou, “Você não sabe onde meu marido está? Ele subiu na torre antes de você”. “Não, eu não sei”, respondeu o garoto, “mas havia alguém na abertura da torre e eu perguntei quem era, mas não tive resposta. Então pensei que fosse um bandido e o empurrei escadaria abaixo. Vá até lá e veja se é ele. Se for eu ficarei muito triste”. A mulher correu até lá e encontrou o marido, que estava gemendo em um canto, pois tinha quebrado a perna. Ela o carregou de volta, e depois gritou para o pai do garoto, “Seu filho causou uma desgraça! Ele jogou meu marido escada abaixo e quebrou sua perna. Leve esse imprestável para longe da nossa casa!” O pai ficou aterrorizado e correu ao encontro do filho. “Que perversidade foi essa? O demônio deve ter influenciado você!” “Pai,” o garoto respondeu, “me escute: eu sou inocente. Ele estava lá à meia noite como quem quer fazer algum mal. Eu perguntei por três vezes quem era, e disse para que falasse ou fosse embora, e ele não falou e nem se mexeu”. “Ah”, disse o pai, “Você é um infeliz! Suma da minha frente e não volte mais”. “Sim, pai, eu vou de bom grado, só espere até o dia amanhecer. Eu vou seguir o meu caminho e aprender a ter medo. Assim vou entender algo que possa me ajudar”.

“Aprenda o que quiser”, disse o pai, “não vai fazer diferença para mim. Pegue cinquenta talers e saia pelo mundo, e não diga a ninguém de onde você vem, nem quem é seu pai, porque eu tenho vergonha de você”. “Sim, pai, será como você quer. Se é só isso que você quer, será assim”.

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Quando o dia amanheceu, o garoto colocou o dinheiro no bolso e saiu pela estrada, falando para si mesmo o tempo todo, “Se tivesse sentido medo... se pelo menos eu tivesse sentido medo... preciso aprender a ter medo”.

Então um homem se aproximou como se o rapaz estivesse falando com ele, caminharam um pouco lado a lado e quando eles conseguiam ver a forca mais adiante, o homem disse ao garoto, “Olhe, lá está a árvore onde estão os sete homens que atacaram a filha do cordoeiro, e agora estão aprendendo a voar. Sente debaixo da árvore, espere até o cair da noite e você vai saber o que é o medo”. “Isso é tudo o que eu quero”, respondeu o jovem, “e isso é muito fácil de fazer. Se eu aprender tão rápido, dou a você meus 50 talers. Apenas procure por mim de manhã”. Então o garoto foi para baixo da árvore onde estava a forca, sentou-se e esperou a noite chegar.

E como estava frio, ele acendeu um fogo para se aquecer. Mas à meia noite soprou um vento tão frio que, mesmo com a fogueira, ele não conseguia se aquecer. Então o vento começou a balançar os enforcados uns contra os outros, eles se moviam para frente e para trás, e o jovem pensou consigo mesmo, “Eu estou tremendo do lado do fogo, mas aqueles ali vão congelar e sofrer!” E como sentia pena deles, subiu na árvore e desceu os corpos dos enforcados um a um, e colocou os sete no chão. Então ele atiçou o fogo e soprou, e os sentou ao redor da fogueira para se aquecerem.

Mas eles ficaram sentados do jeito que foram colocados e não se mexiam, e o fogo começou a pegar nas roupas deles. Então o garoto falou, “Cuidado, ou eu vou enforcar vocês outra vez!” Mas homens mortos não ouvem, então também não respondem, e os trapos com que estavam vestidos continuaram a pegar fogo. Então o garoto ficou zangado e disse, “se vocês não tomarem cuidado eu não posso ajudar vocês, e não quero pegar fogo também”. Então ele os colocou de volta na forca, um por um outra vez, depois deitou-se debaixo da árvore e dormiu.

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Na manhã seguinte, o homem veio procura-lo, pois queria os 50talers, e disse, “Então, aprendeu o que é medo?” “Não”, respondeu o rapaz, “e como aprenderia? Esses seus amigos aí em cima não abrem a boca e são tão estúpidos que deixaram os trapos que vestem pegar fogo quando eu os coloquei ao redor da fogueira para se aquecerem”. Logo o homem percebeu que não receberia os 50talers, e foi embora pensando, “Um desse tipo nunca tinha cruzado meu caminho antes”.

Da mesma forma, o garoto tomou seu caminho, e mais uma vez começou a resmungar consigo mesmo, “se eu soubesse o que é medo. Se ao menos eu soubesse o que é o medo”!

Um carroceiro que vinha atrás dele gritou, “Quem é você?” “Eu não sei”, respondeu o jovem. “De onde você vem?”, o carroceiro continuou perguntando; “Também não sei”, respondeu outra vez o jovem. “Quem é seu pai?” quis saber o carroceiro, e o jovem respondeu, “Eu não posso dizer”. “O que é que você anda resmungando entre os dentes?”, perguntou o carroceiro. “Ah”, respondeu o jovem, “Eu só dizia que queria saber o que é sentir medo, mas ninguém consegue me ensinar”.

“Deixe de conversa mole”, disse o carroceiro. “Venha comigo que eu encontro um lugar para você”. O garoto acompanhou o carroceiro, e no início da noite eles chegaram em uma estalagem onde pretendiam dormir. Na entrada da estalagem o jovem disse em voz alta, “Se eu soubesse o que é medo! Ah, se eu pudesse sentir medo”!

O estalajadeiro ouviu, riu alto falou, “Se é este o seu desejo, haverá uma boa oportunidade para você aqui”. “Cale essa boca”, disse a esposa do estalajadeiro, “tantos curiosos já perderam a vida que seria uma pena que olhos tão bonitos não vissem mais a luz do dia”.Então o garoto falou, “Por mais que seja difícil, eu vou aprender, esse é o propósito da minha viagem”. E ele não deu descanso ao estalajadeiro até que finalmente contasse que, não muito longe dali, havia um castelo mal assombrado que todos temiam. O rei havia dito que, quem conseguisse passar três noites no castelo se casaria com a princesa, e ela era uma donzela mais linda que o brilho do sol. “O castelo está cheio de tesouros, mas eles são guardados por espíritos malignos, são tesouros que transformariam um mendigo em milionário. Muitos homens foram para o castelo, mas nenhum conseguiu sair de lá”, contou o estalajadeiro.

O castelo assombrado

Na manhã seguinte, o garoto foi procurar e rei e pediu permissão para passar as três noites no castelo mal assombrado. O rei olhou para ele e ficou feliz que fosse bem jovem, e então disse, “Você pode pedir três coisas para levar para o castelo mal assombrado com você, mas devem ser coisas sem vida”. Então o garoto respondeu, “Eu quero um fogo, um torno e uma tábua de corte com faca”. O rei providenciou todas aquelas coisas e o jovem rumou para o castelo.

Quando começou a escurecer, o garoto subiu para um dos quartos e lá acendeu a lareira com a tocha que havia levado, colocou a tábua de corte e a faca do seu lado e sentou-se ao torno. “Ah, se eu soubesse o que é medo”, disse o garoto, “mas também não vai ser aqui que eu vou aprender”.

Perto da meia noite, ele estava atiçando e soprando o fogo, quando alguma coisa, de repente, gritou do canto, “Auh, miau, que frio”! “Seus simplórios!” o garoto gritou, “Por que estão gritando? Se estão com frio, venham sentar-se perto do fogo para se aquecer!” Mal terminou de falar e dois enormes gatos pretos, de um único salto, sentaram-se um a cada lado do garoto, e olharam para ele com seus olhos de fogo.

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Passado pouco tempo, quando estavam se aquecendo ao fogo, um dos gatos disse, “Camarada, que tal um jogo de cartas?” “Por que não?” respondeu o rapaz, “mas quero ver suas patas”. Então eles mostraram as garras. “Ah, mas que unhas compridas”, disse o garoto, “esperem um pouco, deixem que eu as corte para vocês primeiro”, e enquanto dizia isso, o garoto pegou os gatos pela garganta e os prendeu pelas patas no torno rapidamente. “Quando eu vi suas unhas”, disse o garoto, “minha vontade de jogar cartas passou”. Então o garoto matou os dois gatos e os jogou pela janela, na água do fosso.

Mas logo depois de ter se livrado dos dois gatos, quando estava prestes a sentar-se perto do fogo para se aquecer novamente, de cada canto vieram gatos pretos com olhos de fogo e cães pretos com correntes de fogo, e vinham cada vez mais, até que o garoto mal podia se mexer. Os bichos gritavam horrivelmente, e pularam sobre o fogo, espalhando vários pedaços de madeira em chamas, querendo acabar com a fogueira.

O garoto os observou um tempo sem dizer nada, mas eles estavam passando dos limites, então pegou a sua faca de corte e gritou, “Fora, seus vermes!” e começou a feri-los e cortá-los. Alguns deles fugiram, outros foram mortos pelo garoto, que os jogou no fosso para os peixes. Quando ele voltou, juntou a madeira espalhada e atiçou as brasas para acender o fogo e aquecer-se outra vez.

E tão logo se sentou, já não conseguia manter os olhos abertos por muito tempo, percebeu que deveria dormir. Então ele viu uma cama grande em um canto. “Isso é muita coisa para mim”, ele disse, e deitou-se nela. Mal fechou os olhos e a cama começou a se mover sozinha e a andar por todo o castelo. “Muito bem”, ele disse, “mais rápido”! E a cama deslizou como se fosse uma carruagem com seis cavalos, para cima e para baixo, por todo o castelo. Mas, de repente, toc, toc, ela se virou e ficou por cima do garoto, com todo seu peso. O garoto jogou a colcha e os travesseiros para fora, saiu debaixo dela e falou, “agora que não tem ninguém que gosta de andar em você, pode andar sozinha”, e deitou-se perto do fogo e dormiu até o dia amanhecer.

Pela manhã o rei veio, e quando viu o garoto no chão, pensou que ele tivesse sido assassinado pelos espíritos malignos. Então ele disse, “Que pena, ela era um rapaz tão bonito”! Ouvindo isso, o garoto levantou-se e disse, “Ainda não foi dessa vez”. Então o rei ficou atônito, mas muito feliz, e perguntou como foi a noite. “Muito boa, na verdade”, o rapaz respondeu, “mas só uma noite passou, e ainda virão mais duas”.

O garoto voltou para a estalagem e quando o viu, o estalajadeiro arregalou os olhos e disse, “Nunca pensei que fosse ver você vivo outra vez! Aprendeu, então o que é o medo”? “Não”, disse o garoto, “foi tudo em vão. Se alguém pudesse me ensinar”...

sem rumo

Na segunda noite o garoto voltou para o velho castelo, sentou-se junto ao fogo e mais uma vez começou sua cantilena, “se eu pudesse sentir medo”... Perto da meia noite, ouviu um rumor e um barulho, primeiro mais baixo, depois foi ficando cada vez mais alto. Ele ficou quieto perto do fogo, e de repente ouviu um grito alto, e metade de um homem desceu pela chaminé e caiu na frente dele. “Olá”, a metade disse, “a outra metade pertence a esta. Isto é muito pouco”! Então se ouviu o barulho e o rumor outra vez, ouviu-se um rugido e um uivo, e a outra metade caiu na frente deles, como a primeira. “Espere”, disse o garoto, “eu vou atiçar o fogo para você se aquecer um pouco”. Quando olhou para o lugar onde esteve sentado, viu que as duas partes do homem estavam juntas, e um homem assustador estava sentado em seu lugar. “Isso não é parte do nosso acordo” disse o garoto, “o banco é meu”.

O homem quis empurrá-lo, mas o garoto não se deixou levar, empurrou o homem com toda sua força e sentou em seu lugar. Então mais homens caíram, um depois do outro. Eles trouxeram nove pernas de homens mortos e dois crânios, e os arrumou como se fosse jogar boliche com eles. O garoto também quis jogar e perguntou, “Posso juntar-me a vocês”? “Sim, se você tiver dinheiro”, respondeu um deles. “Tenho o suficiente”, respondeu o rapaz, “mas as bolas não estão redondas”. Então ele pegou os crânios e os colocou no torno e gastou-os até que ficassem redondos. “Agora sim, eles vão rolar melhor”, disse o garoto. “Agora eles vão bem”! Então o garoto jogou com aqueles homens, e perdeu um pouco do dinheiro, mas quando chegou a meia noite, tudo desapareceu sem deixar sinal. O garoto deitou-se tranquilamente e dormiu.

Na manhã seguinte, o rei voltou para vê-lo e perguntou, “Como você se saiu desta vez”? “Eu joguei boliche”, o garoto respondeu, “e perdi uns trocados”. “Aprendeu, então o que é ter medo”? Perguntou o rei. “Que nada”! O garoto respondeu, “tudo correu bem, mas não aprendi a ter medo”.

Antes de escurecer, o rapaz sentou-se no banco novamente, muito triste, e resmungou mais uma vez, “Se eu pudesse sentir medo”... Quando a noite caiu, seis homens muito altos entraram trazendo um caixão. Então o garoto disse, “ha, ha, certamente é o meu primo que morreu há poucos dias”, e ele fez sinal com a mão, chamando, e disse bem alto, “Venha, primo”. Eles colocaram o caixão no chão, então o garoto se aproximou, tirou a tampa do caixão, e viu que havia um homem morto dentro dele. O garoto colocou a mão em seu rosto, e sentiu que ele estava frio como gelo. “Eu vou aquecer você um pouco”, disse o garoto, e foi até o fogo e aqueceu suas mãos, foi até o homem morto e tentou aquecer seu rosto, mas ele continuava frio. O garoto então tirou o morto do caixão e o sentou perto do fogo, e esfregou seus braços para que o sangue circulasse outra vez. Mas isso também não adiantou, então ele pensou em uma maneira de aquecer o homem, e disse “Quando duas pessoas deitam-se juntas em uma cama, elas aquecem uma a outra”. Então carregou o morto até a cama, deitou-se ao lado dele e colocou a colcha por cima deles.Depois de pouco tempo, o homem começou a se aquecer e a se mexer. Então o garoto disse, “Viu, primo, como eu aqueci você”? Mas o morto berrou, “Agora eu vou matar você”! “O quê”? gritou o garoto, “é assim que você me agradece? Então vou jogar você de volta no seu caixão”! E o garoto empurrou o morto de volta para o caixão e o trancou outra vez. Então os seis homens pegaram o caixão e o levaram. “Não consigo sentir medo”, disse o garoto. “Parece que não aprendei enquanto viver”.

Em seguida entrou um homem horrível, mais alto que todos os outros. Ele era velho e tinha uma longa barba branca. “Desgraçado”, gritou o homem, “você vai aprender o que é o medo, porque eu vou matar você”. “Espere”, disse o rapaz, “se eu vou morrer, deixe-me falar antes”. “Eu vou te pegar”! Gritou o demônio. “Calma, não precisa gritar tanto”, disse o rapaz. “Eu sou tão forte quanto você, talvez ainda mais forte”. “Vamos ver, então”, disse o velho. “Se você for mais forte que eu, deixo você viver. Venha, vamos ver”!

Então o velho levou o rapaz por passagens sombrias até a forja de um ferreiro, pegou um machado e com um só golpe, partiu uma bigorna que estava no chão. “Eu posso fazer melhor do que isso”, disse o garoto, e foi em direção à outra bigorna. O velho foi para perto, com sua longa barba branca desgrenhada, porque queria ver o que o rapaz ia fazer. O rapaz boleou o machado, e no golpe que dividiu a bigorna ao meio, também tirou um pedaço da barba do velho. “Eu tirei um pedaço seu, agora você é que tem que morrer”! Usando a parte de trás do machado, o garoto golpeou o velho até que ele começou a gemer e pedir que parasse, e lhe daria muitos tesouros. O garoto jogou o machado no chão e o velho o levou de volta ao castelo, e mostrou um porão com três baús cheios de ouro. “Destes”, disse o velho, “um você deverá distribuir para os pobres, o outro é do rei, e o terceiro é seu”. Então deu meia noite, o espírito desapareceu e o garoto ficou na escuridão. “Eu vou encontrar o caminho de volta”, disse o garoto, e tateando as paredes, encontrou o caminho de volta e dormiu no mesmo quarto, perto do fogo.

Na manhã seguinte, o rei veio vê-lo novamente. “Agora você deve ter aprendido o que é o medo”, disse o rei. “Não”, respondeu o garoto. “Meu primo morto esteve aqui e um velho de barba branca mostrou três baús de ouro lá embaixo, mas ninguém me ensinou o que é o medo”.

“Então”, disse o rei, “você libertou o castelo, agora deve casar-se com minha filha”. “Está certo”, respondeu o garoto, “mas ainda não sei o que é o medo”.

Mais tarde, o ouro foi trazido e o casamento celebrado, mas mesmo que o jovem rei amasse sua esposa e fosse muito feliz, ele ainda dizia sempre, “Se eu pudesse entender o que é o medo”... E tanto repetia isso que, por fim, sua esposa já estava ficando zangada com isso. Sua camareira disse à ama, “Deixe que eu encontrarei uma cura para ele. Logo, logo ele vai saber o que é o medo”. Ela foi até o córrego que passava pelo jardim e encheu um balde com água gelada, com peixes e tudo, e trouxe com ela.

À noite, quando o jovem rei estava dormindo, sua esposa tirou as cobertas de cima dele cuidadosamente, e esvaziou o balde de água gelada com peixes em cima dele de uma só vez. O jovem rei então levou o maior susto de sua vida, e gritou “o que é isso”! Pouco depois ele percebeu que o que o fazia ter medo era sua esposa, com um balde de água gelada!

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Elita de Medeiros cursou Letras Português e Inglês na UNISUL, Especialização em Libras na Uniasselvi e cursa Letras Espanhol na UFSC. Ensina Inglês na Wizard e na UNISUL, onde também é tradutora. Publicou o livro Os pequenos feiticeiros e a maldição do lobisomem, que traz uma das narrativas orais do vale do Rio Tubarão romanceada. Publicou vários artigos técnicos em congressos e blogs, e escreve conteúdos de Língua Portuguesa para o Blog http://magiadasletraseditora.blogspot.com.br/. elita.medeiros@unisul.br.

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