CHUVA NEGRA
Por Vinícius Santos
Capítulo 6
Sobre o segredo do sarcasmo
Logo que Julian largou toda aquela papelada na mesa, escutou as portas da sala da redação bater. Era Summer acompanhada de Dr. Chandau e outro policial (caso precisasse usar a força). Eles entraram no recinto como um redemoinho, trancando as portas para que Julian não tivesse para onde fugir. Sabiam que ali era o único lugar que poderiam lhe interrogar sem nenhuma interferência, só não sabiam que Julian não estava disposto a dar alguma informação de valor.
- Meu caro rapaz, eu peço um minuto de sua atenção! – Disse Chandau, com um ar amistoso. – A senhorita Summer já está me enchendo a paciência por sua causa, não tente atrapalhar.
Julian, num gesto rápido empurrou aquela pasta contendo os recortes do jornal para dentro da gaveta, sabia que se aquilo caísse nas mãos da investigadora (principalmente o bilhete que Oscar escreveu), daria motivos para mais perguntas, principalmente perguntas que ele não teria respostas boas o suficiente para se safar. Mas como bom malandro, Julian deu sua melhor cara e um sorriso simpático, mostrando um semblante descabido de preocupação, sabia que isso seria de muita importância pro momento, principalmente para se livrar das garras daquela detetive (apesar da presença dela ser de bom agrado aos seus olhos) e ir pra casa o mais rápido possível. Mas mesmo assim, Summer Pattel não pareceu nada amigável naquela situação. Ela puxou uma cadeira e se sentou à frente de Julian, rodeada por Chandau e mais aquele homem, o qual deveria ser algum carrasco sob seu comando, esperando a ordem para degolar Julian. Houve um longo silêncio no ambiente. Todos se entre olharam numa enorme análise, esperando por alguma palavra que quebrasse o silêncio. Chandau suspirou sobre seu enorme bigode, num gesto de impaciência, mas mesmo assim não foi suficiente para que alguém falasse algo. Julian e Summer continuavam calados. A luz do sol cruzava as persianas, já era quase onze horas daquela manhã agitada. A cor dourada do ambiente servia como um emblemático cenário. Nada foi dito, mas muito foi percebido. Summer sentia que a morte de Oscar não tinha sido algo sem motivo, apenas mais um caso de seria algum serial killer, ali estava algo muito maior em jogo, talvez um dos maiores casos que iria trabalhar. Ela acaba de assumir ao cargo de inspetora chefe da polícia de Paris e sentia nos seus ombros o enorme peso da responsabilidade, principalmente por que foi altamente recomendada pela Scotland Yard. Sua formação policial aconteceu em Londres, atuando junto com seu pai e mentor na academia de polícia investigadora mais famosa do mundo. Ela estava ali, com seu olhar felino, intitulando Julian como peça fundamental na resolução do caso, na verdade, ela já teve essa premonição logo que viu ele naquele beco, olhando para o corpo sem piscar por vários minutos, mas mesmo assim precisava escutar as respostas do escritor para suas perguntas antes de apontar qualquer certeza. Ela só não contava com a astúcia de Julian, ele com seu vocabulário e respostas falsas de romancista conseguiria fugir de qualquer rodeio que ela armasse para tirar alguma informação.
- Bem, senhor Julian. – Disse a jovem policial. – Como você já sabe, estou pedindo para que cada funcionário descreva a sua relação com o falecido Oscar, na mais pura informalidade, não leve em conta como um depoimento oficial. Isso será de profunda importância para a investigação, ainda mais que ele foi assassinado saindo daqui. – Ela olhava fixamente para os olhos de Julian, sem pestanejar, algo que só um detetive experiente domina. – Você se importaria de responder algumas perguntas, também? – Finalizou ela.
- De maneira alguma, minha cara Summer. Estou às ordens.
Os próximos trinta minutos que seguiram foram de completa hostilidade. Em cada pergunta que Summer fazia, Julian conseguia encaixar uma resposta tão sarcástica quanto sua cara lavada. A tensão entre aqueles dois era imensa, parecia que Chandau e o outro policial nem estavam no mesmo ambiente que eles. Foram várias perguntas, coisas de praxe: como conheceu Oscar; qual sua relação com ele; como era seu dia-a-dia no trabalho; se tinha relação fora do jornal com a vítima, e mais todas essas coisas que qualquer detetive iniciando uma investigação pergunta. Mas Julian conseguia transformar aquilo tudo num maior teatro, respondendo sempre de imediato e de um jeito até simpático (principalmente para provocar a moça). E ela, com aquele semblante sério não deixava aquilo tudo lhe atingir, continuava firme no papel de sua profissão, mas no fundo, achava o escritor um enorme idiota, sabia que todas aquelas respostas não eram nada conexas com as perguntas e ele estava usando desses rodeios apenas para fugir da situação, parecia até se divertir com aquilo. O que ela não sabia é que no fundo Julian estava coberto de medo e pavor, só estava atuando para sair dali, sem que pudesse botar sua carcaça atrás das grades. Summer viu que não iria muito longe com interrogatório e decidiu dar um fim naquilo, sem muita simpatia, agradeceu Julian por sua “displicência abusiva” e saiu andando firmemente sobre os calcanhares, não que aquilo tudo tenha sido uma completa perca de tempo, viu na tensão de Julian, tentando parecer relaxado com a situação, várias respostas concretas, muito mais do que todas aquelas abobrinhas que ele acabou de falar. Chandau tratou de acompanhar Summer, sem entender muito bem o que aconteceu ali, ele achava Julian muito complicado para sua cabeça, deixava para os leitores do Jornal a tarefa de decifrá-lo.
Antes que mais alguém entrasse na sala de redação, Julian tratou de pegar a pasta com os recortes de jornais e guardar sob seu casaco, queria dar uma olhada com mais atenção em toda aquela papelada. Talvez um pouco mais de cuidado reservasse para ele descobertas sobre o caso do incêndio no laboratório. Respirou fundo e desceu mais uma vez as escadas daquele velho prédio, o ambiente lá no hall de entrada já era bem mais calmo, não havia todos aqueles policiais por perto. Já era meio dia, pensou Julian. O jornal estava quase de volta naquela monotonia de todos os dias, isso se não fosse aquela morte medonha que acontecera ali, tal morte que começou naquela porta e terminou num beco fétido. Certamente as ruas de Paris, principalmente a Rua de Lille, não teriam mais aquele sossego que abraçava Julian. Agora sentia que toda cidade respirava uma fumaça rubra de pavor, corroendo a vastidão da sua mente na mais profunda insanidade.
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O Blog Tem Preguiça Não (www.tempreguicanao.com.br) orgulhosamente traz até você o conto “Chuva Negra”, escrito por Vinícius Santos. A cada edição de Terça-Feira do O Grande Jornal, você acompanha a história de Julian Bane, um Ghost-Writter decadente, que vê um de seus contos de terror tornar-se real numa madrugada chuvosa. Uma corrida desesperada começa e na sua trilha: um personagem nefasto de sua própria criação. O personagem principal conduz os leitores pela velha cidade de Paris no início do século XX, numa trama de suspense e aflição, onde o real e o sobrenatural envolvem-se misteriosamente.
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Sobre o Autor
Vinícius Santos nasceu em Imbituba, Santa Catarina, no ano de 1990. Escritor iniciante tornou-se conhecido por publicar esporadicamente seus textos na web e notumblr Boemia Letrada. Bastante influenciado por grandes nomes como Carlos Ruiz Záfon e Stephen King, busca resgatar o dom de contar histórias de suspense e mistério.
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Confira o Início desta História:
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