CHUVA NEGRA
Por Vinícius Santos
Capítulo 3
Uma manhã tingida de escarlate
Como todos os dias, Madame Marrie foi a primeira a chegar ao jornal. Eram seis horas da manhã e uma densa névoa ainda rastejava pela cidade, estranhamente não havia nenhuma alma na rua e isso assustou um pouco a secretária. Olhou para cima e ficou admirando com certo desgosto aquele cenário, o prédio agora tinha um ar mais tenebroso ainda, mas como quem ri de si mesmo quando esta imaginando besteiras, ela sacudiu a cabeça num gesto de deboche e abriu a porta. Quando já ia entrando, Marrie notou algumas marcas na madeira, grandes arranhões que pareciam feitos por uma batida brusca de algum. Ficou um tanto intrigada com aquilo, com as pontas dos dedos percorreu aqueles relevos e sentiu sua mão umedecer. Não conseguia decifrar com completa nitidez o que era aquele líquido viscoso que cobria parte de sua mão, a neblina ainda lhe incomodava a visão e a pouca luz daquele início da manhã também não ajudava. Aproximou-se um pouco e viu que aquele líquido ainda escorria porta abaixo. No mesmo instante, como se o universo lhe quisesse demonstrar uma coisa, a névoa se dissipou um pouco: eram marcas de garras.
- Meu Deus. Sussurrou Marrie, um tanto incrédula.
Rua de Lille
Mais uma vez fitou boquiaberta sua mão, não queria acreditar que aquilo nos seus dedos era sangue. Seus olhos agora estavam um tanto acostumados com aquela pouca luz, a neblina cessou ainda mais um pouco. Ela pode enxergar melhor todo aquele ambiente misterioso, inclusive que as manchas se espalhavam pelo chão e formavam uma trilha até um beco transversal à Rua de Lille – a espinha da secretária agora se retorcia num extremo arrepio. Pensou em esquecer aquilo tudo e se enfiar para dentro do prédio, mas sua curiosidade de raposa e um leve impulso que ela não sabia de onde surgiu, a fez percorrer aqueles sinais na calçada. As sombras dentro do beco formavam um contraste com aquele sol nascente. Seguiu alguns passos adentro daquela viela com uma coragem nada comum. A cerca de quinze metros, viu um par de sapatos atrás de uma lata de lixo. Marrie viu que as marcas continuavam até lá. Imaginou que poderia ser apenas um mendigo que tenha sofrido algum acidente.
- O-olá?! Perguntou ela de um jeito um tanto assustado.
Não houve resposta.
- O senhor está bem?! Insistiu ela mais uma vez.
Nada.
O homem parecia estar ajoelhado de frente para a parede, como se estivesse orando. Uma oração macabra. Marrie hesitou, mais um passo e estaria de cara com aquela cena bizarra. Seu subconsciente fez seu corpo girar de volta para a entrada da viela, mas ficou parada, de olhos fechado, já estava com o medo lhe fazendo companhia. Ficou imaginando histórias sobre aquilo, mas seu senso acólito de boa cristã a fez girar mais uma vez sobre os calcanhares. De novo, estava frente a frente com aquela situação bisonha. Respirou fundo e tentou contato mais uma vez, aproximando-se.
- Senhor você pre...
A voz dela faltou
O que Marrie viu parecia sair de um livro de terror e que só a mente mais nefasta conseguiria imaginar. Era o corpo de um homem com a cabeça retorcida para trás. As orbitas dos olhos vazias, num olhar estarrecedor e cheio de dor. Marrie caiu para trás sentada, o choro engasgou e mais uma vez falhou sua voz. Engatinhando, aproximou-se do corpo, nem percebia que estava envolta por uma enorme poça de sangue, a única coisa que prendia sua atenção eram aqueles olhos vazios que a encavaram num profundo tormento, foi então que Marrie notou: havia três cruzes reviradas marcadas na testa do morto. Só então ela se deu conta que estava coberta de um vermelho rubro, isso gerou nela um apavoro infernal, como se estivesse infestada de milhares de insetos. Olhou para suas mãos novamente, a boca tremia, a pele do seu rosto retraiu e cada nervo de seu corpo parecia frouxo. O desespero mais uma vez tomou-lhe conta, finalmente reconhecera o defunto. Um grito estremecido saiu de sua boca. O sangue que manchava a manga de seu casaco ainda escorria da garganta do arquivista Oscar Delloux.
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O Blog Tem Preguiça Não (www.tempreguicanao.com.br) orgulhosamente traz até você o conto “Chuva Negra”, escrito por Vinícius Santos. A cada edição de Terça-Feira do O Grande Jornal, você acompanha a história de Julian Bane, um Ghost-Writter decadente, que vê um de seus contos de terror tornar-se real numa madrugada chuvosa. Uma corrida desesperada começa e na sua trilha: um personagem nefasto de sua própria criação. O personagem principal conduz os leitores pela velha cidade de Paris no início do século XX, numa trama de suspense e aflição, onde o real e o sobrenatural envolvem-se misteriosamente.
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Sobre o Autor
Vinícius Santos nasceu em Imbituba, Santa Catarina, no ano de 1990. Escritor iniciante tornou-se conhecido por publicar esporadicamente seus textos na web e no tumblr Boemia Letrada. Bastante influenciado por grandes nomes como Carlos Ruiz Záfon e Stephen King, busca resgatar o dom de contar histórias de suspense e mistério.
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