CHUVA NEGRA
Por Vinícius Santos
Epílogo
Naquela noite, tudo o que Julian Bane conseguia escutar eram os pingos frenéticos da chuva e seus passos desesperados no antigo calçamento daquela viela. O medo e o temor entalados na sua garganta prejudicavam sua audição e nem todos os cigarros de Paris seriam capazes de reduzir a adrenalina que corria em suas veias: sua vida estava pendurada na navalha de um pesadelo mortal. Pesadelo o qual ele mesmo criou. Sabia que estava sendo perseguido, só não acreditava no que o perseguia. O malfadado escritor Julian não crera que o personagem grotesco, inventado para uma história barata que ele vendia aos montes para folhetins medíocres de suspense e terror, estaria em seu encalço, buscando saciar sua sede de assassino macabro.
Enquanto percorria os becos tentando despistar seu predador, escutava no meio da tormenta o som ofegante da besta procurando-lhe em cada sombra. Era Baltazar. Esse barulho invadia sua imaginação nas madrugadas de inspiração, quando escrevia seu thriller. “Só a luz do sol seria capaz de salvá-lo”, lembrou-se de ele mesmo ter escrito tais palavras. Baltazar sofria de uma estranha anomalia que o tornava alérgico aos raios ultravioletas, além disso, sua forma grotesca de humano deformado com dois metros e trinta, coberto de cicatrizes, espantaria qualquer multidão. Mas aquela tempestade negra que seguia era o palco perfeito para o serial killer. Como um coiote, Julian esquivava-se em cada esquina, buscando livrar-se do ser que ele descrevera tão perfeitamente nas páginas em branco.
No seu relógio, passavam-se milênios a cada segundo e duas eternas horas restavam até que brotassem do céu as primeiras chamas do sol. A aflição amarrava seus nervos. Sua roupa encharcada pesava uma tonelada sobre seu corpo franzino e sua mão tremia como trilhos guiando uma locomotiva. O mês de fevereiro foi o mais frio desde 1914, porém ele sentia seu corpo arder num calor delirante. Sua respiração ofegava tentando fazer com que o ar lhe fosse suficiente, a cada passo. Até que então, em meio aquela chuva, um som metálico arrepiou sua pele molhada: eram as garras de aço do monstro trincando a placa de um antigo café. Não adiantava mais correr. Na escuridão viu-se um sorriso diabólico e as presas da sua criatura brilhar. A voz de Baltazar era agonizante como um mergulho numa piscina de agulhas. Exatamente como imaginava:
- Olá, meu caro autor, pronto pra selar nossos destinos? - Disse ele.
Julian ainda buscava entender os acontecimentos. Sua má sorte de ghost-writer agora tinha passado dos limites. Tentava achar uma explicação no mínimo racional. Recuava sobre seus passos e antes que achasse a resposta, aventurou-se a correr novamente, mas suas pernas não obedeciam mais. Tentou recuperar as forças. A risada nefasta de seu futuro algoz foi motivação suficiente para isso. Baltazar, para sua diversão, deixou o escritor seguir alguns metros, dando-lhe esperança de mais uma fuga. Até que numa investida feroz de lobo, o monstro cravou as unhas na sua presa, erguendo-a pelo pescoço no ar, como um saco de ossos. O olhar infernal e o sorriso sinistro ainda estavam lá, agora mais densos. Quando Julian já ia desistindo de lutar contra aquela força descomunal, ouviu um estralo seco ecoar naquela rua estreita e mais outro em seguida. Baltazar num grito estridente abafou o eco do que seriam dois tiros. Julian Bane agora jazia no chão, feito uma pedra. Antes de perder a consciência, enxergou seu predador escalar as paredes de um antigo prédio e sumir na escuridão. Contra a luz do poste, viu aproximar-se a silhueta de um homem. Sentia que conhecia aquele ser. Mas antes de dizer qualquer coisa ao seu salvador, sua consciência o abandonou no mais profundo sono.
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O Blog Tem Preguiça Não (www.tempreguicanao.com.br) orgulhosamente traz até você o conto “Chuva Negra”, escrito por Vinícius Santos. A cada edição de Terça-Feira do O Grande Jornal, você acompanha a história de Julian Bane, um Ghost-Writter decadente, que vê um de seus contos de terror tornar-se real numa madrugada chuvosa. Uma corrida desesperada começa e na sua trilha: um personagem nefasto de sua própria criação. O personagem principal conduz os leitores pela velha cidade de Paris no início do século XX, numa trama de suspense e aflição, onde o real e o sobrenatural envolvem-se misteriosamente.
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Sobre o Autor
Vinícius Santos nasceu em Imbituba, Santa Catarina, no ano de 1990. Escritor iniciante tornou-se conhecido por publicar esporadicamente seus textos na web e no tumblr Boemia Letrada. Bastante influenciado por grandes nomes como Carlos Ruiz Záfon e Stephen King, busca resgatar o dom de contar histórias de suspense e mistério.
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