quinta-feira, 24 de março de 2011

Imbituba e a "Maldição da Fumaça Vermelha"

Muitos jovens imbitubenses hoje, incuindo eu, não conheceram este capítulo negro (ou vermelho) da história de Imbituba. Mas sempre é bom lembrarmos de coisas ruins para aprender com os erros e não repetí-los no futuro. Estamos vivendo uma época em que o turismo fortalece a economia imbitubense, e daqui alguns anos, viveremos uma época em que indústrias irão fazer este papel. Basta olhar o visual de Imbituba, e veremos que muita coisa já mudou nesse sentido.
Conto aqui a história da Indústria Carboquímica Catarinense - ICC e a popular "Maldição da fumaça vermelha".


É incomum encontrarmos lugares que, fazendo uso desses recursos, estabeleçam mecanismos de sustentabilidade, sem precisar recorrer necessariamente à implantação de grandiosos empreendimentos para alcançar o ideário de “progresso” e “desenvolvimento”. Imbituba reflete essa realidade ao ser palco de um projeto que abarcaria todo um  complexo industrial, projeto esse da qual hoje restam apenas a sucata e impressão de grande logro para a comunidade local.

A instalação de tal indústria advém do contexto econômico vivido pelo país e,principalmente pela forte atividade carvoeira existente na região do sul do estado. Cidades como Criciúma, Tubarão, Siderópolis, Lauro Miller, entre outras, tiveram durante muito tempo sua economia exclusivamente vinculada ao extrativismo do carvão. É sabido dos graves problemas que acarretaram para essas localidades, problemas  estes que refletem ainda hoje, desde ambientais até em relação à saúde dessas populações.

A eleição do município de Imbituba para ser sede da ICC aconteceu por uma série de fatores que, a princípio, beneficiariam sua manutenção. Além do porto ali estabelecido, pelo qual se escoaria a produção, uma malha ferroviária já construída interligava a cidade à região carbonífera, facilitando o transporte dos rejeitos para a indústria que o processaria. Além disso, Anitápolis, cidade a 80 Km de Imbituba, possuía reservas de rocha fosfática, essencial para os processos químicos da empresa, produzindo ácido fosfórico, insumo também utilizado para a fabricação de fertilizantes.

Tudo teoricamente muito bem arquitetado bastava agora colocar em prática e contar com o apoio da população local. Este processo de apresentação do  projeto à população foi baseado principalmente em duas promessas: geração de emprego e melhorias na infra-estrutura da cidade, já que esta contaria dali para frente com investimentos em saneamento básico, com a implantação do sistema de abastecimento de água feita pela CASAN; melhorias na distribuição de energia elétrica realizada pela CELESC, pela ampliação da rede de telefonia através da TELESC e pelas obras de construção e pavimentação de estradas. Tais melhorias foram apresentadas para a população como benesses com a instalação da indústria, e não como obrigação do poder público.

Com a chegada da ICC, a população fica dividida. De um lado aqueles que esperavam melhores tempos, com emprego, infra-estrutura, o progresso para a cidade, e por outro lado, aqueles que questionavam a vinda de uma empresa fabricante de ácidos, instalada na beira da praia, que inviabilizaria a prática pesqueira, além de freiar o potencial para a prática do surf, que começava a destacar-se nacionalmente na década de 70,limitando também qualquer outro tipo de atividade em suas proximidades. Isto posto, pois a localização da ICC e o projeto do complexo industrial, como dissemos acima, situaram-se a beira-mar.

A questão era polêmica. No fim, prevaleceu a força do progresso enraizado sob o discurso desenvolvimentista para Imbituba, como podemos observar neste fragmento: 

"Sabe-se que a poluição será um dos entraves futuros à incrementação turística com o possivel deslize das belezas naturais. O problema, todavia, é de ordem geral. Os grandes centros industriais do país e de outras nações também padecem os problemas de poluição. Não há, portanto, motivo para desânimo."

MARTINS, Manoel de Oliveira. Imbituba: História e desenvolvimento. [s/d.], [s/n.].


Enfim, haveria sim motivos para desânimo e isto ficou provado logo no início de seu funcionamento, pois a maioria da mão-de-obra utilizada na indústria vinha de cidades vizinhas, como técnicos, engenheiros, equipe mecânica entre outros, já que a cidade local não possuía “mão-de-obra qualificada”, o que gerou certa frustração entre os moradores. Os que conseguiram se estabelecer como funcionários entraram através de concursos, recebendo o treinamento teórico/prático durante os três primeiros meses de trabalho, ou em serviços que não exigissem conhecimentos técnicos. Vale ressaltar que não houve nenhum incentivo para que fossem capacitados trabalhadores da cidade antes do inicio das operações da ICC.

Como percebe-se, a instalação da ICC foi paradoxalmente carregada de elementos que influenciariam irreversivelmente no ritmo de vida da cidade. E eis que nem tudo o que reluz é ouro, ou, neste caso, é carvão.

Um dos primeiros passos para sua concretização propriamente dita, foi a aquisição do terreno para o Complexo Carboquímico. Uma área, a princípio, de 107 m², localizada ao lado do Porto de Imbituba, o que facilitaria o transporte dos produtos. Nesta área, no entanto, já havia assentamento urbano e foi preciso desapropriar em torno de 2 mil famílias, que ali viviam da atividade pesqueira e da produção da  farinha de mandioca, onde estavam instalados pequenos engenhos da cidade. Segundo Fabio Farias de Moraes, “a primeira conseqüência da desapropriação da área foi que as exportações de farinha de mandioca pelo Porto caíram de 24.292 toneladas para 8.290 toneladas de 1970 para 1971.”

Durante ainda o processo de instalação da ICC na cidade, o que nos apresenta algumas pesquisas sobre o tema e nos jornais da época, é uma complexa teia de idas e vindas no que tange a sua consolidação. Antes mesmo de entrar em funcionamento suas unidades de fabricação dos ácidos sulfúrico e fosfórico passaram por um dos primeiros obstáculos, pois a possibilidade de obter a rocha fosfática, que viria de Anitápolis devido sua proximidade, foi cancelada depois que uma concessão da exploração desta reserva foi promulgada em prol de uma empresa de fertilizantes do Rio Grande do Sul15, como fica evidenciado na seguinte notícia de jornal do ano de 1979: “Por decreto do Presidente da República, as Indústrias Luchsinger Modorin (leia-se Adubos Trevo), do Rio Grande Sul, estão autorizadas a explorar e beneficiar a jazida de minério de fosfato descoberta no município catarinense de Anitápolis”. Conseqüentemente para que a ICC garantisse seu funcionamento, restou buscar matéria-prima no estado de Goiás, encarecendo de início seu produto final.

Outro detalhe válido que nos ajuda a compreender os bastidores da construção da ICC paira sobre a compra dos equipamentos para a edificação da fábrica, a qual foi escolhida a empresa japonesa Mitsubishi Shoji Kaisha Ltda. dentre as muitas candidatas. A opção, ao que tudo indica, foi fortalecida por esta oferecer o menor custo e aquela que proporcionaria assim lucros a curto prazo.

Conforme relatos da memória popular esses equipamentos eram já obsoletos, sendo que não eram mais utilizados como tecnologia em seu país de origem, ou seja, equipamentos velhos e ultrapassados. Segundo Nilton Luiz “Muitas vezes a equipe mecânica, o pessoal da engenharia é que realizava as mudanças necessárias e até mesmo a adaptação de peças para que a empresa se mantivesse em operação”. Conseqüência disto, a empresa teve suas atividades paralisada durante três meses, como noticia o Jornal O Estado:

O diretor Walberto Schmidt limitou-se a explicar que ‘a paralisação não merece registro, pois trata-se de um problema qualquer e tudo está sob controle’. Mas, no interior da empresa, onde os operários cumprem expediente normal, embora nada esteja funcionado, as versões para a paralisação eram variadas. Um alto funcionário explicou que a paralisação foi em conseqüência da destruição de um refratário. Segundo esta fonte que não quis se identificar, o tanque depositário de acido sulfúrico teria sido danificado pelo oxido, que corroeu todo o refratário. Outro funcionário da empresa, que também não quis se identificar temendo represália explicou que ocorreram problemas de ordem técnica, com o equipamento que foi importado do Japão. [...] Mas nada de oficial foi confirmado pela direção da empresa, que não quis falar sobre o assunto.


Jornal O Estado. Florianópolis, 29/09/1979. p. 11.


Mas as falhas mecânicas não paravam por aí. Não por acaso a cidade foi marcada pela “maldição da fumaça vermelha”, denominada assim, pois logo no início de seus trabalhos não podia contar também com a chaminé, principal responsável pela filtragem dos gases. A cidade acordava todos os dias coberta por uma  fuligem grossa de pó vermelho, conseqüência da primeira etapa do beneficiamento da pirita carbonosa, gerando como resíduo o óxido de ferro, que principalmente em dias de vento nordeste, espalhava-se por toda a região central.

Mesmo assim a situação tendia a piorar, já que depois de funcionando, para realizar a manutenção de limpeza das chaminés era preciso contar com a cumplicidade da natureza, realizando este tipo de operação somente em dias de vento sul, evitando que a poeira se espalhasse em quantidades maiores pela cidade.
Além da fumaça, o pó do óxido de ferro era transportado por caminhões até uma área próxima da indústria, ocasionando incômodos para a população local. Outro produto gerado pela ICC era o gesso que esta produzia diariamente, depositado ao lado da empresa, formando uma grande montanha branca. Tanto o óxido de ferro quanto o gesso produzido pela ICC, tinham o propósito de alimentarem o setor siderúrgico e empresas de cimento posolâmico, respectivamente. Indústrias estas que não se concretizaram, apesar de promessas e especulações em torno da viabilização de um Complexo Industrial em Imbituba. A ICC, no caso, seria a primeira e a provedora de matéria-prima das próximas indústrias.

Como percebe-se, a Indústria Carboquímica Catarinense desde sua concepção já apresentava uma série de irregularidades traçando seu destino breve, vindo a funcionar de 1979 a 1993. O exemplo da ICC nos faz refletir sobre como o famigerado progresso nos impulsiona a acreditar em soluções para o crescimento econômico, não importando as conseqüências por vir.

Hoje, a ICC possui grande parte de sua estrutura em abandono, tendo sido comprada, por um valor simbólico apenas para legitimar laços burocráticos entre a União e a Prefeitura. Esta, a partir de então, ocupou apenas alguns espaços, a antiga sede administrativa, onde se instalou alguma de suas Secretarias. Segundo moradores, vários planos para revitalização do espaço foram projetados, porém nada nunca foi realizado e muito menos há perspectivas para tal. 



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