CHUVA NEGRA
Por Vinícius Santos
Capítulo 2
Fuja! Mas é importante saber para que lado correr
A reação de Julian ao ver aquela bizarra imagem foi um tanto desconcertante. Sabia que aquela foto era um sinal de seu passado apagado. Seu cérebro conhecia aquele homem de algum lugar só não encontrava respostas na inconsistência de sua memória. Continuou subindo vagarosamente as escadas, ainda estava atônito. O prédio do jornal era de uma arquitetura antiga, estava na família dos donos a tempos. No segundo andar funcionavam as máquinas de impressão, eram gigantescos emaranhados de ferro que circulavam folhas em branco. A sala do chefe e as escrivaninhas do editores e redatores concentravam-se no terceiro andar. Eram tantos cubículos sujos e mal cuidados que pareciam mais currais. Julian cruzou toda aquela sala atraindo olhares de desdém, não tinha muitos amigos lá e a cada dia que saia do trabalho, jurava nunca mais voltar, mas ele não podia contar só com o dinheiro proveniente de seus livros, o título de maior sucesso foi “Legado Sinistro” e vendeu menos de 300 cópias em toda França. O jornal era sua única renda consistente e não podia perder o emprego naqueles tempos difíceis.
Julian acomodou-se na mesa, outra vez aquele timbre do envelope lhe corroeu a imaginação, voltou seus olhos para a foto e ao analisar melhor aquela imagem tinha certeza: aquela mancha vermelha era sangue, talvez escurecida pelo tempo ou pelo calor do fogo. Seu faro de escritor e pseudo jornalista lhe deram a idéia de procurar nos arquivos do jornal algo sobre aquele tal laboratório militar. O arquivo ficava no último andar do prédio e Oscar Delloux era seu responsável, talvez o melhor amigo de Julian no seu emprego. Era um homem de certa idade, talvez por volta de 55 anos. Conservava um ar de sabedoria e curiosidade, talvez por isso cuidasse daquela parte do Jornal. A Gazeta de Bourbon teve seus tempos áureos e Delloux estava lá desde sempre. Era praticamente uma enciclopédia viva sobre a história de Paris e da França, por isso não havia homem mais capacitado naquele lugar para lhe ajudar.
- Não quero abusar do seu intelecto histórico, Oscar. Mas preciso de sua ajuda! É um assunto de vida ou morte. No caso, a minha vida ou a minha morte! – Falou Julian num tom um tanto desesperado.
- Ora veja! Desse jeito não é a velhice que acaba me matando!
- Desculpe, mas o caso é sério.
Oscar compreendeu que aquilo era mesmo sério.
- Me diga então, do que você precisa?
- Eu preciso que você procure qualquer arquivo dos últimos 20 anos que fale a respeito do Laboratoire de Génétique Militaire St. Germain. Preciso saber também se ainda está funcionando. Ah, e o mais importante, se houve algum incêndio por lá. Espero que entenda que isso é de suma importância para mim! – Enfatizou mais uma vez Julian.
- Com essa sua cara de assustado é impossível não perceber que isso está derretendo seu cérebro. – Disse Oscar de um jeito preocupado. – Mas enfim, me dê algum tempo. Para quando você precisa disso?
- Amanhã! Se não for pedir muito. Preciso levantar informações o quanto antes.
Julian voltou até sua mesa, estava repleto de trabalho acumulado, mas não conseguia focar em nada além daquele pedaço de papel tostado em sua mão. Cada peça do quebra cabeça estava jogada num poço profundo. Quando se deu conta, já era final de tarde, viu a janela do prédio se afundar num mar dourado, seu instinto lhe fez lembrar algo: logo seria noite e certamente não queria estar pelas ruas quando o manto escuro cobrisse a cidade. Sua única vontade era abandonar aquele lugar e ir para seu apartamento na Rua Favart, porém, o expediente no jornal não tinha hora para acabar, precisava arrumar alguma desculpa para ir embora ou simplesmente fugir – a segunda opção lhe pareceu mais prática. Instintivamente, levantou-se dali e percorreu de volta as escadas do prédio. Ao chegar no andar principal, deu logo de cara com Marrie e antes que ela começasse a falar qualquer coisa, num gesto quase espontâneo, Julian levantou a mão na altura do rosto da secretária e saiu andando, sem falar nada nem olhar pra trás.
Sentiu-se aliviado por chegar seguro em casa. Não tinha a menor intenção de sair dali, seria loucura por os pés na rua novamente. Preparou uma boa dose de conhaque e tomou de um gole só, em seguida fez mais uma e sentou-se na sua velha poltrona, admirando a bela noite que transcorria pela janela. Num dia normal, provavelmente estaria em algum bar à beira do Rio Sena, mas o temor ainda estava na sua mente. Os ponteiros do relógio apontavam quase nove da noite quando Julian finalmente caiu no sono. Algumas horas mais tarde, seu amigo Oscar deixara na sua mesa os arquivos que encontrou sobre o Laboratório Militar e qualquer assunto a cerca disso, era quase meia noite e o arquivista se preparava para ir embora, só que ele não teria a mesma sorte de Julian, não iria chegar nem perto de sua residência naquela madrugada. Agora, seu destino estava escrito com o próprio sangue nas vielas da velha cidade.
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O Blog Tem Preguiça Não (www.tempreguicanao.com.br) orgulhosamente traz até você o conto “Chuva Negra”, escrito por Vinícius Santos. A cada edição de Terça-Feira do O Grande Jornal, você acompanha a história de Julian Bane, um Ghost-Writter decadente, que vê um de seus contos de terror tornar-se real numa madrugada chuvosa. Uma corrida desesperada começa e na sua trilha: um personagem nefasto de sua própria criação. O personagem principal conduz os leitores pela velha cidade de Paris no início do século XX, numa trama de suspense e aflição, onde o real e o sobrenatural envolvem-se misteriosamente.
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Sobre o Autor
Vinícius Santos nasceu em Imbituba, Santa Catarina, no ano de 1990. Escritor iniciante tornou-se conhecido por publicar esporadicamente seus textos na web e no tumblr Boemia Letrada. Bastante influenciado por grandes nomes como Carlos Ruiz Záfon e Stephen King, busca resgatar o dom de contar histórias de suspense e mistério.
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